Hoje comecei meu projeto de Intervenção Urbana. Espalharei pela cidade garrafas de naufrago contendo um depoimento verídico, que encontrei na internet e literatura de psicologia, de uma mulher sobre um abuso sofrido por ela. Cada garrafa contém um relato diferente. Há casos de abusos sexuais realizado pelo pastor da igreja, de violência doméstica, depoimentos de presas políticas da ditadura militar, de abuso infantil praticado por pai ou familiares, etc etc. Junto com o depoimento, que está enrolado e amarrado com fita vermelha, há um objeto feminino que esteja defasado, seja por faltar um par (como um brinco), seja por estar quebrado. Os objetos são tanto pessoais como também são objetos encontrado na rua. Serão pelo menos 20 garrafinhas espalhadas pela cidade. Em breve atualizarei o blog.
Alguns dos relatos que transcreverei a mão nas "cartas" dentro das garrafinha, cada uma com um objeto feminino diferente:
-O
mês passado fui estuprada pelo meu ex marido mas fiquei com pena
dele e tirei a queixa da delegacia, então ele voltou a praticar
outros crimes comigo. Colocou água, gelo e açúcar numa camisinha
cheia de esperma dele e me obrigou a tomar. Depois de eu vir de novo
dar parte na delegacia, veio para mim chorando, pedindo que tirasse a
queixa. Ele não é de Natal, é de Alagoas e está sozinho aqui,
além do mais tem um bom emprego e tudo isso me deixou mais uma vez
com pena dele, não queria prejudicá-lo nem sujar seu nome. Assim
retirei a queixa outra vez e desisti de processá-lo. Então no
domingo passado ele entrou na minha casa botando a porta para dentro,
me agrediu, ainda estou com o corpo todo arranhado. Chegou a dizer
que tinha falado aos amigos dele que não ia me matar mas ia trazer
para eles uma orelha minha. Me atirou encima da cama, cuspiu na minha
cara e disse que do jeito que fez comigo fazia na cara da delegada.
Depois pegou um espeto de churrasco para me ferir, lutei com ele e
ele furou minha mão, ainda tenho as marcas. Agora eu pretendo levar
adiante o processo sem pena, sem dor nem nada, porque ele não tem
pena de mim.
-“Apanhei
do meu marido todos esses anos e nunca revidei, nunca denunciei nem
contei para ninguém. Até seis anos atrás eu era agredida todas as
vezes que cobrava a simples presença dele em casa, com os filhos.
Depois disso ele adoeceu e então eu apanhava porque ele tinha crises
de ciúmes, sem motivos. Há poucos meses tomei coragem de sair de
casa, depois que ele passou a noite toda me ameaçando com um facão.
Na última vez que ele me agrediu fisicamente foi há poucas semanas,
logo depois da chuva de granizo. Ele correu atrás de mim com uma
faca e me ameaçou. Se eu chamasse a polícia, ele iria me matar. A
polícia chegou a prendê-lo e ele continuou me ameaçando lá de
dentro da cadeia. Quando foi solto, o juiz colocou uma medida de
segurança pra que ele fique longe de mim, mas ele continua me
perseguindo, me ameaçando. Precisei que uma vizinha denunciasse ele
para que eu adotasse uma postura de não querer mais isso pra minha
vida. Ainda estou absorvendo tudo, inclusive o impacto que essa
separação está tendo nas minhas finanças, pois ele sempre
sustentou a casa; sempre dependi dele. Estou psicologicamente
destruída e me arrependo de não ter denunciado antes. A denúncia é
a melhor saída”
-
Sobe depressa,
Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava
minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha
absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Na sala do delegado
Fleury, num papelão, uma caveira desenhada e, embaixo, as letras EM,
de Esquadrão da Morte. Todos deram risada quando entrei. ‘Olha aí
a Miss Brasil. Pariu noutro dia e já está magra, mas tem um quadril
de vaca’, disse ele. Um outro: ‘Só pode ser uma vaca
terrorista’. Mostrou uma página de jornal com a matéria sobre o
prêmio da vaca leiteira Miss Brasil numa exposição de gado. Riram
mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido.
Picou a página do jornal e atirou em mim. Segurei os seios, o leite
escorreu. Ele ficou olhando um momento e fechou o vestido. Me virou
de costas, me pegando pela cintura e começaram os beliscões nas
nádegas, nas costas, com o vestido levantado. Um outro segurava meus
braços, minha cabeça, me dobrando sobre a mesa. Eu chorava,
gritava, e eles riam muito, gritavam palavrões. Só pararam quando
viram o sangue escorrer nas minhas pernas. Aí me deram muitas
palmadas e um empurrão. Passaram-se alguns dias e ‘subi’ de
novo. Lá estava ele, esfregando as mãos como se me esperasse. Tirou
meu vestido e novamente escondi os seios. Eu sabia que estava com um
cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele ria, zombava do cheiro
horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de
louco. No meio desse terror, levaram-me para a carceragem, onde um
enfermeiro preparava uma injeção. Lutei como podia, joguei a
latinha da seringa no chão, mas um outro segurou-me e o enfermeiro
aplicou a injeção na minha coxa. O torturador zombava: ‘Esse
leitinho o nenê não vai ter mais’. ‘E se não melhorar, vai
para o barranco, porque aqui ninguém fica doente.’ Esse foi o
começo da pior parte. Passaram a ameaçar buscar meu fillho. ‘Vamos
quebrar a perna’, dizia um. ‘Queimar com cigarro’, dizia outro.
-Quando
fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem
visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante
da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo
Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa
raça não deve nascer’. Depois, fui levada ao Pelotão de
Investigação Criminal (PIC), onde houve ameaças de tortura no pau
de arara e choques. Dias depois, soube que Paulo também estava lá.
Sofremos a tortura dos ‘refl etores’. Eles nos mantinham
acordados a noite inteira com uma luz forte no rosto. Fomos levados
para o Batalhão de Polícia do Exército do Rio de Janeiro, onde,
além de me colocarem na cadeira do dragão, bateram em meu rosto,
pescoço, pernas, e fui submetida à ‘tortura cientifi ca’, numa
sala profusamente iluminada. A pessoa que interrogava ficava num
lugar mais alto, parecido com um púlpito. Da cadeira em que
sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados
nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis:
calor, frio, asfi xia. De lá, fui levada para o Hospital do Exército
e, depois, de volta à Brasília, onde fui colocada numa cela cheia
de baratas. Eu estava muito fraca e não conseguia fi car nem em pé
nem sentada. Como não tinha colchão, deitei-me no chão. As
baratas, de todos os tamanhos, começaram a me roer. Eu só pude
tirar o sutiã e tapar a boca e os ouvidos. Aí, levaram-me ao
hospital da Guarnição em Brasília, onde fiquei até o nascimento
do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico,
irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia. Foi uma
experiência muito difícil, mas fiquei firme e não chorei. Depois
disso, ficavam dizendo que eu era fria, sem emoção, semsentimentos.
Todos queriam ver quem era a ‘fera’ que estava ali
-A
primeira coisa que fi zeram foi arrancar toda a minha roupa e me
jogar no chão molhado. Aí, começaram os choques em tudo quanto é
lado – seio, vagina, ouvido – e os chutes. Uma coisa de louco.
Passei por afogamento várias vezes. Os caras me enfiavam de capuz
num tanque de água suja, fedida, nojenta. Quando retiravam a minha
cabeça, eu não conseguia respirar, porque aquele pano grudava no
nariz. Um dos torturadores ficou tantas horas em pé em cima das
minhas pernas que elas ficaram afundadas. Demorou um tempão para se
recuperarem. Meu corpo fi cou todo preto de tanto chute, de tanto ser
pisada. Fui para o pau de arara várias vezes. De tanta porrada, uma
vez meu corpo fi cou todo tremendo, eu estrebuchava no chão. Eles
abusavam muito da parte sexual, com choques nos seios, na vagina...
passavam a mão. Também faziam acareações minhas com um
companheiro do movimento estudantil, o Pedro Eugênio de Toledo. Eles
obrigavam a gente a se encostar nas partes sexuais e a torturar um ao
outro. Tínhamos que por a mão no órgão um do outro para receber
choques. Eles também faziam a gente se encostar como se fôssemos
ter uma relação, para os dois serem atingidos pelo choque. Fiquei
quase um mês sendo torturada diariamente. Em uma outra vez, eles
simularam a minha morte. Me acordaram de madrugada, saíram me
arrastando, dizendo que iam me matar. Me puseram dentro de um
camburão, onde tinha corda, pá, um monte de ferramentas. Deram
muitas voltas e depois pararam num lugar esquisito. Aí, soube que
não iam me matar, pois me disseram que eu ia ser colocadanuma
solitária e que iam espalhar o boato que eu tinha morrido.
-Um
dia, eles me levaram para um lugar que hoje eu localizo como sendo a
sede do Exército, no Ibirapuera. Lá estava a minha fi lha de um ano
e dez meses, só de fralda, no frio. Eles a colocaram na minha
frente, gritando, chorando, e ameaçavam dar choque nela. O
torturador era o Mangabeira [codinome do escrivão de polícia de
nome Gaeta] e, junto dele, tinha uma criança de três anos que ele
dizia ser sua fi lha. Só depois, quando fui levada para o presídio
Tiradentes, eu vim a saber que eles entregaram minha fi lha para a
minha cunhada, que a levou para a minha mãe, em Belo Horizonte. Até
depois de sair da cadeia, quase três anos depois, eu convivi com o
medo de que a minha fi lha fosse pega. Até que eu cumprisse a minha
pena, eu não tinha segurança de que a Maria estava salva. Hoje, na
minha compreensão feminista, eu entendo que eles torturavam as
crianças na frente das mulheres achando que nos desmontaríamos por
causa da maternidade. Fui presa e levada para a Oban. Sofri torturas
no pau de arara, na cadeira do dragão, levei muito soco inglês, fui
pisoteada por botas, tive três dentes quebrados. Éramos torturadas
completamente nuas. Com o choque, você evacua, urina, menstrua.
Todos os seus excrementos saem. A tortura era feita sob xingamentos
como ‘vaca’, ‘puta’, ‘galinha’, ‘mãe puta’, ‘você
dá para todo mundo’... Algumas mulheres sofreram violência
sexual, foram estupradas. Mas apertar o peito, passar a mão também
é tortura sexual. E isso eles fizeram comigo. Eles também colocaram
na minha vagina um cabo de vassoura com um fio aberto enrolado. E
deram choque. O objetivo deles era destruir a sexualidade, o desejo,
a autoestima, o corpo.
-Eu
apanhava todos os dias. A agressão era física e psicológica. Ele
me ameaçava o tempo todo. Se eu não parasse de gritar, ele me
mataria. E ele tinha uma arma em casa. Teve um dia que ele me agarrou
de bruços na cama, passou o braço pelo meu pescoço e se deitou
sobre mim com toda a força, fiquei sem respirar e com a coluna quase
fraturada. Fiquei com de marcas roxas pelo corpo inteiro. E o pior:
meus filhos assistiam tudo o que ele fazia comigo
-"[Ele]
me ameaçava de morte. Teve um dia que cheguei do serviço e no fundo
do meu quintal tinha um terreno e tinha um buraco onde ele ia me
enterrar. Várias vezes falou que ia me matar, dar facadas, cortar
meu corpo em pedacinho, ia enterrar e que ninguém ia me encontrar.
(...) Ele cavou uma cova. (...) No dia que vi aquele buraco, você
não tem noção de como fiquei apavorada. Eu só estou viva hoje
porque eu procurei ajuda, eu fui na delegacia da mulher e eles me
encaminharam para o abrigo, senão eu não estava viva hoje"
-"Casei
com 19 anos e não imaginava que existisse nada parecido com o que
aconteceu comigo. A primeira atitude de violência foi um mês
depois, por causa de um armário que comprei sem avisar, para fazer
uma surpresa. Ele me deu um soco no queixo que me deixou com problema
no maxilar para o resto da vida. Passei fiascos em público com cena
de ciúme. Agüentei esse tipo de coisa seis anos. Ele me batia, me
esgoelava, me punha arma na cabeça. Eu continuava achando que ele
precisava de ajuda e que eu era a única pessoa que podia ajudá-lo.
Não tinha medo. No dia em que tive medo, saí de casa. Saí também
da minha cidade, e só consegui voltar quase vinte anos depois. Foi
tamanho o bloqueio que não conseguia lembrar das coisas ligadas ao
casamento. A violência soterra lembranças, doçura, meiguice. Mas é
possível se restaurar, juntar os cacos, sem ficar dura e empedernida
para sempre."
-Tinha
mais ou menos 10 anos de idade. Era de manhã quando brincava pela
casa, subi no 1º andar, meu irmão (nove anos mais velho
estava deitado em uma cama de campanha, me chamou e pediu para que eu
tirar (espremer) espinhas que ele tinha nas costas. Ele estava
de, short, sem camisa, espremi 02 ou 03 espinhas meio sem jeito e ele
me pediu para fazer o mesmo em mim. Disse-lhe que não tinha e ele me
pediu para ver, insistindo. Eu permiti. Percebi que ele desceu a mão
e alisou por entre as minhas pernas de maneira rápida. Eu me
assustei e aproveitei algumas pessoas falando e corri enquanto ele
dizia: “Peraí, peraí, vem cá!”. Desci os degraus mais que
depressa quando cheguei em baixo, minha irmã (seis anos mais velha)
foi entrando em casa e eu resolvi que ia contar tudo a Ela. Não
consegui, as pernas tremeram, esbarrei em minha timidez, fiquei com
medo de que achasse que eu o tinha provocado. TIVE MEDO!
Ai começou meu inferno que dura até hoje.
-Mandava
sua fotografia toda semana para a família, para dizer que
estava tudo bem... Um dia ligou e pediu que comunicasse a Polícia
Federal, a Embaixada, que as mulheres estavam todas retidas, todas
presas...eram obrigadas a prostituir-se senão morriam de fome e
muitas usavam drogas. Eu fiquei sem saber o que fazia...
Aplicaram
overdose nela, soltaram na rua...morreu minha filha...Eu fiquei
fazendo curso nessa rua, sem saber o que fazia...
-"Eu
trabalhava das 9h à meia-noite. Tinha que 'fazer' até 20 homens por
dia. Ninguém aguenta. A gente não saía nem pra comer. Quando
tentamos fugir, minha amiga foi morta"
-Entrei
para a igreja quando tinha 9 anos. Estudava na mesma escola que todas
as meninas da igreja, e quem me levava de van para o colégio era um
dos assistentes do pastor, que abusava de mim na volta. Contei aos
meus pais, e eles foram ao pastor Marcos. Ele, então, me chamou ao
gabinete dele. Estava lá sozinha. Ele me pediu para contar o que
acontecia na van. Enquanto eu contava, ele repetia o que eu dizia em
mim. Me apalpava, passava a mão nos meus seios, tentava me beijar.
Meus pais me ouviam gritar do corredor, em frente à sala. Vendo que
eu não queria ficar com ele, ele me deu um soco no meu seio
esquerdo. Até hoje tenho a marca. Meus pais não acreditaram quando
contei, e continuei sendo obrigada a frequentar a igreja. Dois anos
depois, fui morar lá por três meses. Mesmo eu tendo medo do pastor,
ele vivia atrás de mim, me oferecia carros, bolsas caras, viagens
para o exterior se eu topasse ficar com ele. Uma vez, ele foi ao meu
quarto, de madrugada, e me chamou para ir dormir sozinha com ele na
Fazenda Vida Renovada, que ele tem em Nova Iguaçu. Não aceitei.
Durante um culto, ele me chamou de vagabunda, safada, na frente de
todos os fiéis. Nunca mais voltei na igreja depois daquele dia. Até
hoje tenho medo dele, que ele faça alguma coisa comigo.
-“Acho
que o pior era isso, a repressão; eu achava que não havia outra
saída, eu só podia me conformar, era a minha sina. [...] Eu
desejava que ele morresse e me culpava por isso, e cheguei a achar
que merecia apanhar por desejar uma coisa tão horrenda. Eu aprendi a
apanhar em silêncio porque ele se empolgava se eu começava a
chorar...”
-'
Você é absurdamente excepcional!
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